Opereta Trágica
A inexistência das tuas mãos embala-me ao som da música lúgubre de um compositor para mim desconhecido. Oiço dizer que se suicidou cedo mas ninguém sabe explicar porquê; porque é que um jovem talentoso, sempre com um sorriso nos lábios e uma palavra de apoio a quem o procurava se suicidaria?
Talvez a resposta esteja na própria vida. Na forma como ela, por vezes, nos parece e é sem sentido. Em nada se encontra alegria. Nada se valoriza. Pretende-se mais do que nos é reservado por direito, sem que nós tenhamos conhecimento do que isso seja...
Viver não é suficiente... morrer talvez também não o seja. Ele morreu, como estará agora? Satisfeito por não viver na vida? Contente por não ouvir mais o som das suas lágrimas rolarem à noite pela sua face? Perguntas no vazio da madrugada embriagada pelo sangue amargurado de uma velha senhora que nunca viveu os encantos de uma paixão. Soubesse ela a sorte que teve e não seria tão amargurada com a vida e com as pessoas que a rodeiam.
O raiar do sol é impotente perante o iceberg construído cuidadosamente ao longo dos anos naquela pequena aldeia glaciar onde os esquimós vivem felizes por contemplarem a cada dia que renasce o brilho desse mesmo sol. Não o vêem como um perigo para aquilo que tanto lutaram nestes anos – um glaciar de proporções gigantescas que serve de abrigo a todas as famílias da aldeia e onde será reservado um espaço, grande parte, diga-se já, para acolher os milhares de turistas que são esperados na próxima década.
É estranha esta ideia de olhar o perigo para a nossa sobrevivência diariamente e fazê-lo com um sorriso. Estamos habituados a ter medo ou ignorá-lo. Talvez se o compositor desconhecido de que falávamos há pouco fosse membro desta pequena mas corajosa aldeia não se tivesse suicidado. Talvez ele olhasse nos olhos das outras pessoas sem medo, sem medo de se magoar ainda mais. Talvez se tivesse entregado aquela rapariguinha que diziam o amar em vez de se deitar nos braços da bala que lhe atravessou o cérebro. Talvez tenha sido por esta palavra que ele decidiu jogar pelo seguro; deixar a vida de incertezas e dormir profundamente e para sempre ao som de uma das operetas trágicas que compôs.
Sua obra reflecte a sua vida e, por isso, toda ela é trágica. No entanto, existe um interregno – durante alguns anos são desconhecidas obras de sua autoria. Quem o conhecia declarou que foi durante um período muito feliz da sua vida. Perplexos? Eu também fiquei quando o soube. Aparentemente este período de tempo refere-se aos anos em que esteve noivo de uma jovem. Dizem que andava sempre bem disposto; que andavam sempre juntos.Os anos passavam e casamento não se avistava. O namoro começou a correr menos bem e o sorriso do jovem compositor a desaparecer, bem como a companhia da sua namorada. Passado um tempo, os amigos souberam da novidade – ela anulara o namoro pois encontra aquele que dizia ser o seu verdadeiro e único amor!
Ele ficou destroçado até ao dia da sua morte. A sua confiança em outras mulheres morreu como ele – primeiro lentamente, definhando nas madrugadas nebulosas da cidade bastarda e, depois, com um golpe de misericórdia...
Nem todos conseguimos olhar para o sol ameaçador com uma luz nos olhos nem ver num iceberg forma de vida... quanto muito rimos morbidamente perante o gelo a derreter e afogamo-nos na opereta de um compositor desconhecido que se suicidou!
Etiquetas: Marina Romana
2 Comentários:
Viver é suficiente. Ainda bem para ti e para nós que te rodeamos, tu vives e fazes viver...=)
said,
és um querido! Adoro-te mt gajo lindooooo ;)
bjinhos******
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