quinta-feira, setembro 16, 2004

Fumos

Estou deitada. Na mesa onde freneticamente repouso, passam 8 caracóis sem carapaças - as suas carnes lembram-me que fiquei subitamente à espera que a tua carne não muito fresca também repousasse nesta mesa. As minhas costas nuas sobre o ferro frio são as de um cadáver que ainda tem a esperança de morder-te e, assim, poder viver. Mas o frio não passa de ser isso mesmo - não sinto o calor das tuas mãos na minha pele decrépita.
Um dos caracóis morre em cima da minha boca. Não deita sangue - as suas feridas são internas. Algo, se não ele mesmo, o apanhou por dentro do seu amontoado de carnes e rasgou a última página do livro.
Agora são sete - a dialéctica foi quebrada num espaço de tempo que já passou sem aviso. Engulo a morte - não consigo ver-nos como um círculo com pontas soltas.
É penoso continuar a empurrar a morte pela garganta abaixo e cuspo-a numa cova sem fundo. O seu sabor era o do teu corpo suado após teres-me conduzido habilmente pelos poros da tua pele nevada. Da minha pele surgem, repentinamente, lágrimas de nostalgia poluída pelo tempo que morreu envenenado.
Continuo a sentir o ferro frio mas o meu corpo ferve, excita-se em cima dele com tudo o que recordo sobre esta mesa onde me deito. São agora os meus seios que contactam o ferro - um fumo forma-se... A minha língua arranha a mesa - um fumo forma-se... Estás aqui, eu descobri-te - tu és a mesa de ferro frio!
Sinto o teu corpo debaixo do meu, os teus braços rodearem-me, a tua língua na minha barriga... Todo este espaço enche-se de fumo...
O fumo desapareceu. O espaço está vazio, sem nada - são 4 paredes pintadas de fresco de vermelho. Pela porta entram 7 caracóis sem carapaças. No ar há um rumor incompleto, um cheiro a sexo onírico...

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