terça-feira, setembro 28, 2004

Para Ti...

peço-te o fado
da tua alma
num beijo roubado

solta a tua voz
num murmúrio
de ternura feroz

deixa-me ser
aquela que te acalma
te mergulha

afoga-me em ti
e não me deixes
respirar outro corpo

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desmontam as palavras
na pele

montam a língua
no sexo

exercícios escorregadios
no suor dos lençóis

provocam
seduzem
brincam
reluzem

são assim

duas almofadas
entre tuas pernas

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quinta-feira, setembro 16, 2004

Para o meu querido Miguel...

gostava de ser criança
voltar a ter só medo do escuro
e ver o mundo sem perigos;
uma folha com muito por escrever;
obter felicidade nas coisas
aparentemente menos importantes;
não ter medo de estar só;
querer ser independente de todos
e sentir que me basto a mim mesma;
sentir a segurança de um abraço
e o carinho de um beijo;

e não pedir mais nada

sentir alguém
para sempre...

acreditar que existem
infâncias e vidas felizes
onde se ama e se é amado

sentir os amigos
mas sentir que
para alguém
somos mais
somos um porto seguro
onde duas âncoras vivem...

gostava de ser criança
com os olhos deitados
no brilho de outro olhar!

e percorrer as ruas
saboreando o algodão doce...

Fumos

Estou deitada. Na mesa onde freneticamente repouso, passam 8 caracóis sem carapaças - as suas carnes lembram-me que fiquei subitamente à espera que a tua carne não muito fresca também repousasse nesta mesa. As minhas costas nuas sobre o ferro frio são as de um cadáver que ainda tem a esperança de morder-te e, assim, poder viver. Mas o frio não passa de ser isso mesmo - não sinto o calor das tuas mãos na minha pele decrépita.
Um dos caracóis morre em cima da minha boca. Não deita sangue - as suas feridas são internas. Algo, se não ele mesmo, o apanhou por dentro do seu amontoado de carnes e rasgou a última página do livro.
Agora são sete - a dialéctica foi quebrada num espaço de tempo que já passou sem aviso. Engulo a morte - não consigo ver-nos como um círculo com pontas soltas.
É penoso continuar a empurrar a morte pela garganta abaixo e cuspo-a numa cova sem fundo. O seu sabor era o do teu corpo suado após teres-me conduzido habilmente pelos poros da tua pele nevada. Da minha pele surgem, repentinamente, lágrimas de nostalgia poluída pelo tempo que morreu envenenado.
Continuo a sentir o ferro frio mas o meu corpo ferve, excita-se em cima dele com tudo o que recordo sobre esta mesa onde me deito. São agora os meus seios que contactam o ferro - um fumo forma-se... A minha língua arranha a mesa - um fumo forma-se... Estás aqui, eu descobri-te - tu és a mesa de ferro frio!
Sinto o teu corpo debaixo do meu, os teus braços rodearem-me, a tua língua na minha barriga... Todo este espaço enche-se de fumo...
O fumo desapareceu. O espaço está vazio, sem nada - são 4 paredes pintadas de fresco de vermelho. Pela porta entram 7 caracóis sem carapaças. No ar há um rumor incompleto, um cheiro a sexo onírico...

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quarta-feira, setembro 15, 2004

desenhos de mulheres
unidas, desnudas, beijadas
fragmentadas em suores
mulheres imensamente sexuadas

não há pudor
há rumor
de vossas línguas
em constante tremor

meu olhar desliza
pela linha do carvão
meu olhar é masturbação

e continuo pelo corredor
do corpo dessas mulheres cegamente
certamente

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terça-feira, setembro 14, 2004

Opereta Trágica

A inexistência das tuas mãos embala-me ao som da música lúgubre de um compositor para mim desconhecido. Oiço dizer que se suicidou cedo mas ninguém sabe explicar porquê; porque é que um jovem talentoso, sempre com um sorriso nos lábios e uma palavra de apoio a quem o procurava se suicidaria?

Talvez a resposta esteja na própria vida. Na forma como ela, por vezes, nos parece e é sem sentido. Em nada se encontra alegria. Nada se valoriza. Pretende-se mais do que nos é reservado por direito, sem que nós tenhamos conhecimento do que isso seja...

Viver não é suficiente... morrer talvez também não o seja. Ele morreu, como estará agora? Satisfeito por não viver na vida? Contente por não ouvir mais o som das suas lágrimas rolarem à noite pela sua face? Perguntas no vazio da madrugada embriagada pelo sangue amargurado de uma velha senhora que nunca viveu os encantos de uma paixão. Soubesse ela a sorte que teve e não seria tão amargurada com a vida e com as pessoas que a rodeiam.

O raiar do sol é impotente perante o iceberg construído cuidadosamente ao longo dos anos naquela pequena aldeia glaciar onde os esquimós vivem felizes por contemplarem a cada dia que renasce o brilho desse mesmo sol. Não o vêem como um perigo para aquilo que tanto lutaram nestes anos – um glaciar de proporções gigantescas que serve de abrigo a todas as famílias da aldeia e onde será reservado um espaço, grande parte, diga-se já, para acolher os milhares de turistas que são esperados na próxima década.

É estranha esta ideia de olhar o perigo para a nossa sobrevivência diariamente e fazê-lo com um sorriso. Estamos habituados a ter medo ou ignorá-lo. Talvez se o compositor desconhecido de que falávamos há pouco fosse membro desta pequena mas corajosa aldeia não se tivesse suicidado. Talvez ele olhasse nos olhos das outras pessoas sem medo, sem medo de se magoar ainda mais. Talvez se tivesse entregado aquela rapariguinha que diziam o amar em vez de se deitar nos braços da bala que lhe atravessou o cérebro. Talvez tenha sido por esta palavra que ele decidiu jogar pelo seguro; deixar a vida de incertezas e dormir profundamente e para sempre ao som de uma das operetas trágicas que compôs.

Sua obra reflecte a sua vida e, por isso, toda ela é trágica. No entanto, existe um interregno – durante alguns anos são desconhecidas obras de sua autoria. Quem o conhecia declarou que foi durante um período muito feliz da sua vida. Perplexos? Eu também fiquei quando o soube. Aparentemente este período de tempo refere-se aos anos em que esteve noivo de uma jovem. Dizem que andava sempre bem disposto; que andavam sempre juntos.Os anos passavam e casamento não se avistava. O namoro começou a correr menos bem e o sorriso do jovem compositor a desaparecer, bem como a companhia da sua namorada. Passado um tempo, os amigos souberam da novidade – ela anulara o namoro pois encontra aquele que dizia ser o seu verdadeiro e único amor!

Ele ficou destroçado até ao dia da sua morte. A sua confiança em outras mulheres morreu como ele – primeiro lentamente, definhando nas madrugadas nebulosas da cidade bastarda e, depois, com um golpe de misericórdia...

Nem todos conseguimos olhar para o sol ameaçador com uma luz nos olhos nem ver num iceberg forma de vida... quanto muito rimos morbidamente perante o gelo a derreter e afogamo-nos na opereta de um compositor desconhecido que se suicidou!

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